colunaRui Leitão

Quando a classe média vira soldado da elite

A chamada nova classe média brasileira vive, com frequência, um sentimento ambíguo: ao mesmo tempo em que deseja se diferenciar das camadas populares, busca aproximar-se simbolicamente do universo dos mais ricos. Nesse esforço de afirmação, muitas vezes assume comportamentos e discursos que reforçam desigualdades, movida por uma necessidade de reconhecimento social que, não raro, exige sacrifícios pessoais.

É compreensível que todos aspirem a melhorar suas condições de vida. O problema surge quando essa aspiração se transforma em competição desmedida, levando alguns a desconsiderar valores fundamentais como solidariedade, justiça e equidade. Ao acreditar pertencer a um grupo privilegiado, parte dessa classe média acaba adotando a visão de mundo dos setores mais abastados, mesmo quando isso significa apoiar medidas que restringem direitos sociais arduamente conquistados.

Esse fenômeno produz um paradoxo. Muitos que se veem como defensores de meritocracia e eficiência econômica não percebem que, ao apoiar políticas que enfraquecem mecanismos de proteção social, contribuem para vulnerabilizar a si mesmos. Tornam-se, sem perceber, peças de uma engrenagem que reproduz a desigualdade, enquanto acreditam estar protegendo seu lugar no topo de uma hierarquia que, na prática, não lhes pertence.

É comum que, nesse processo, se reproduzam estigmas sobre os mais pobres, vistos como desinformados, preguiçosos ou politicamente manipuláveis. Essa percepção, como me confidenciou um jovem amigo, parece surgir de uma autoimagem baseada em escolaridade, renda um pouco acima da média e uma identidade social construída em torno de privilégios simbólicos. Quem não se enquadra nesse perfil é facilmente rotulado como incapaz ou adepto de ideologias simplificadas.

Ocorre que essa postura revela mais insegurança do que convicção. Em um país marcado por desigualdades profundas, a classe média vive sob o medo constante de perder o pouco que conquistou. Na tentativa de se afastar da pobreza, abraça discursos contrários às políticas de inclusão, acreditando que estas ameaçam sua posição. Mas ignora que políticas sociais não são concessões assistencialistas: são direitos que fortalecem a cidadania e ampliam oportunidades de forma universal.

A polarização crescente entre ricos e empobrecidos intensifica essa disputa simbólica por pertencimento. E, nessa lógica, parte da classe média acaba servindo como sustentáculo da narrativa das elites econômicas, reforçando a falsa ideia de que a busca por igualdade é um risco à ordem social.
No fundo, porém, a luta por direitos e dignidade não pertence a um único grupo: é uma construção coletiva, da qual ninguém deveria se excluir.

Rui Leitão

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