colunaRui Leitão

BOLSONARO E A ARMADILHA DA PRÓPRIA CANETA

Pouca gente sabe disso, mas dois dos crimes imputados ao ex-presidente Bolsonaro, inclusos no julgamento em curso pela 1ª Turma do STF – Supremo Tribunal Federal, estão previstos na Lei nº 14.197/2021, que ele mesmo sancionou quando estava no comando do país. Na oportunidade, revogava-se a LSN – Lei de Segurança Nacional, promulgada durante a Ditadura Militar. A mudança introduziu no Código Penal um título exclusivo para tipificar crimes contra o Estado Democrático de Direito, nos quais se incluem o atentado à soberania e a tentativa de golpe de Estado.

A nova lei passou a considerar ato criminoso a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, “impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes constitucionais”, bem como “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”.

Isso nos leva a conjecturar se o ex-presidente leu o texto da nova lei antes de colocar sua assinatura sancionando-a, ou se confiava tanto na possibilidade de apoio das Forças Armadas e da sociedade civil à intentona golpista planejada que o fazia se sentir tranquilo de que não responderia pelo cometimento desses crimes. Jamais poderia imaginar que estava oficializando uma futura autopunição.

Interessante é que, nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, a Lei de Segurança Nacional foi bastante utilizada, com a instauração de 77 investigações entre 2019 e 2020, tendo como alvos seus opositores. Em março de 2021, por exemplo, jornalistas foram processados com base na LSN por terem exposto uma faixa com a frase “Bolsonaro genocida” em frente ao Palácio do Planalto.

Fica então a pergunta: por que ele sancionou essa lei, se, naquele ano, por volta do mês de abril, já manifestava seu desejo de romper com as regras do sistema político para se manter no poder? Em conversa com apoiadores no famoso “cercadinho”, em frente ao Palácio da Alvorada, declarou: “O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu devo tomar providência, eu estou aguardando o povo dar uma sinalização.” Essa manifestação pública caminhava em direção contrária ao que estabelecia a nova lei que, seis meses depois, recebeu a sua sanção. Como explicar isso?

O que se pode constatar, pesquisando notícias da época, é que, a partir de então, houve uma grande convergência do campo democrático – incluindo a direita civilizada – de que se fazia necessário revogar a LSN. Bolsonaro não conseguiu segurar a pressão. A lei que redefiniu os crimes contra a democracia foi aprovada com base em dois projetos que já tramitavam no Congresso com esse objetivo: o primeiro, de 1991, apresentado pelo jurista e ex-deputado Hélio Bicudo; o segundo, de 2002, de autoria do jurista Miguel Reale Júnior, então Ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, o mesmo que mais tarde subscreveu o pedido de impeachment de Dilma Rousseff.

O senador Rogério Carvalho, que atuou como relator da lei em 2021, tem uma explicação para essa postura contraditória de Bolsonaro: “Nunca imaginou que os atos dele seriam alcançados por uma lei, porque ele não presta muita atenção nisso. Ele não valoriza muito o que está na lei, o que está nos regulamentos, como funcionam as instituições. Ele procura agir a partir da força.”

Podemos, então, concluir que Bolsonaro tinha certeza da impunidade e alimentava a expectativa de que a nova legislação não seria aplicada contra ele. Felizmente para nós, para o Brasil e para a democracia, estava errado.

Rui Leitão

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