ONDE ESTÁ A HONESTIDADE?
Noel Rosa ainda não tinha 23 anos de idade quando compôs “Onde está a honestidade?”, em 1933. Perto de completar cem anos de existência, este samba permanece com uma atualidade impressionante, ao falar dos enriquecimentos de origens duvidosas, de pessoas que ganharam muito dinheiro à base da corrupção. Numa ironia inteligente, satiriza o conceito de honestidade que muitos procuram passar para a sociedade.
“Você tem palacete reluzente/Tem joias e criados à vontade/
Sem ter nenhuma herança ou patente/Só anda de automóvel na cidade”.
Era o cenário da época, quando os novos ricos ostentavam suas fortunas e excentricidades patrimoniais. Nada muito diferente do que se observa hoje. Continuamos a ver servidores públicos, políticos e empresários assumirem repentinamente um padrão de riqueza difícil de ser justificado. Escândalos estouram, novos ricos são denunciados por corrupção e desonestidade, milionários se complicam para explicar seus ganhos fabulosos em tão pouco tempo.
“E o povo já pergunta com maldade:/Onde está a honestidade?/
Onde está a honestidade?”
O povo tem uma capacidade aguçada de perceber as coisas. Compreende que tudo é fruto da ilicitude na condução dos negócios ou do locupletamento com o dinheiro público. Diante disso, surge a interrogação popular que não pode ficar calada: onde está a honestidade tão apregoada por essas pessoas? Onde estão os princípios de moralidade e decência que devem presidir o comportamento dos cidadãos? Cadê a dignidade, a honradez e a probidade que tantos proclamam possuir?
“O seu dinheiro nasce de repente/E embora não se saiba se é verdade/
Você acha nas ruas diariamente/Anéis, dinheiro e felicidade”.
Noel continua cobrando a proveniência dessa riqueza ostensivamente exibida. E, com sarcasmo, pergunta se todo esse luxo resulta de “anéis, dinheiro e joias achados na rua”. O dinheiro ganho com muita facilidade traz, no mínimo, a suspeita de que algo estranho esteja acontecendo.
“Vassoura dos salões da sociedade/Que varre o que encontrar em sua frente/
Promove festivais de caridade/Em nome de qualquer defunto ausente…”
A desfaçatez com que esses frequentadores da alta sociedade se mascaram de beneficentes, caridosos, preocupados com a sorte dos desamparados, é de causar nojo. Fazem da filantropia um meio também de aumentar suas riquezas, promovendo eventos que parecem humanitários, mas que, na verdade, são formas de disfarçar falcatruas e delitos. Tudo em favor próprio, nunca dos que se dizem beneficiários.
Quase um século depois, a provocação de Noel Rosa continua ecoando em nossa consciência coletiva: afinal, onde está a honestidade?
Rui Leitão
Do livro CANÇÕES QUE FALAM POR NÓS