colunaRui Leitão

O SUICÍDIO FORJADO

Filha de uma família judaica, rica e conservadora, formada em Psicologia pela USP, Iara Iavelberg encontrou nas leituras socialistas a motivação para dedicar-se à luta política de enfrentamento à repressão que aterrorizava o país nos anos 60. Militando em organizações da esquerda radical, como a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), conheceu o ex-capitão do Exército Carlos Lamarca, com quem iniciou um relacionamento amoroso e decidiu acompanhá-lo nas tentativas de implantação da guerrilha rural. Em 1970, recebeu treinamento militar no Vale da Ribeira, onde, inclusive, deu aulas teóricas de marxismo aos guerrilheiros. A partir de então, o casal passou a ser caçado pelas forças militares da ditadura, tendo suas fotos espalhadas por todo o território nacional.

No dia 20 de agosto de 1971, a militante política foi executada pela ditadura, numa operação coordenada pelo delegado Sérgio Fleury, articulada pelo Exército, com o auxílio do DOI-CODI baiano, que pretendia capturá-la, juntamente com o namorado. No momento ela estava no apartamento em que o casal residia, localizado no bairro da Pituba, em Salvador. Lamarca não se encontrava presente. Ambos, naquele ano, haviam ingressado no Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), do qual participou, também, a ex-presidenta Dilma Roussef.

O atestado de óbito registrava a falsa versão de que sua morte teria sido decorrente de suicídio. Seu corpo ficou por um mês em uma das gavetas do IML, de Salvador, como estratégia para atrair Lamarca, sendo sepultada, após esse tempo, na ala dos suicidas do Cemitério Israelita do Butantã, em São Paulo. O laudo emitido à época, com a assinatura do médico legista Charles Pittex, afirmava que teria sofrido “morte violenta”, com uma desconfiada interrogação colocada ao lado da palavra “suicídio”. O filme “Em busca de Iara”, produzido por sua sobrinha Maria Pamplona, desmonta a inverdade construída pelos militares.

Seus familiares nunca aceitaram a versão do suicídio e começaram a investigar o fato, ao encontrar evidências de que tudo não passava de uma mentira propositadamente determinada pela ditadura. No apartamento em que foi vítima do ataque dos agentes militares, foram encontradas marcas de tiros nas paredes, conforme informação fornecida pela proprietária do imóvel. Os arquivos da Polícia Federal da Bahia, narravam que Iara teria gritado “eu me entrego”, antes de ser alvejada pelos tiros. Testemunhas da vizinhança teriam ouvido Iara se render pouco antes dos disparos de armas de fogo..

Em 2003 a família Iavelberg obteve autorização para realizar a exumação do corpo de Iara. A nova necropsia provou que não teria sido cometido o suicídio. O médico responsável pela perícia, Daniel Romero Muñoz, relatou que o tiro que provocou a sua morte não demonstrava que fora efetivado à queima roupa. Logo, a tese do cometimento de suicídio não se sustentava. Três anos depois a Federação Israelita de São Paulo permitiu o reposicionamento dos restos mortais de Iara, removendo-os para ocupar o mausoléu da família. No segundo governo Lula, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos admitiu oficialmente a responsabilidade do Estado brasileiro pela morte da guerrilheira.

Rui Leitão

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