COINCIDÊNCIA TRÁGICA OU CONSPIRAÇÃO POLÍTICA?
O livro O Beijo da Morte, escrito por Carlos Heitor Cony e Anna Lee, lançado em 2003, é um romance-reportagem que aborda os mistérios que ainda envolvem as mortes dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart, além do ex-governador da Guanabara, Carlos Lacerda.
O que há em comum nesses acontecimentos? Entre o segundo semestre de 1976 e o início de 1977, em menos de nove meses, os três morreram em circunstâncias ainda envoltas em fortes suspeitas. Eram as figuras centrais da chamada Frente Ampla, movimento político que uniu antigos adversários em torno de um mesmo propósito: a redemocratização do Brasil. Essa aliança incomodou profundamente os generais do regime militar.
Mas teriam sido meras coincidências trágicas ou o resultado de uma trama política? Até hoje, não há investigação conclusiva. Comissões e órgãos criados após a redemocratização discutiram essas mortes, mas não chegaram a confirmar que tenham sido provocadas pela ditadura. Persistem, no entanto, suspeitas, alimentadas por inconsistências nos laudos oficiais. A Comissão da Verdade de Minas Gerais declarou:
“Considerando as distintas contradições das avaliações periciais, os depoimentos e pareceres jurídicos, pode-se afirmar que é plausível, provável e possível que as mortes tenham ocorrido devido a atentado político.”
No caso de Juscelino Kubitschek, morto em um acidente automobilístico na Via Dutra em 22 de agosto de 1976, levantam-se hipóteses de sabotagem no veículo, envenenamento do motorista ou até mesmo de que o acidente teria sido forjado.
Quanto a João Goulart, o laudo oficial apontou infarto como causa da morte. A família, entretanto, sustenta a possibilidade de envenenamento — por meio de cápsula introduzida em frascos de medicamentos usados para tratar problemas cardíacos. A exumação de seus restos mortais, realizada 37 anos depois, não identificou substâncias tóxicas, mas os peritos ressaltaram que, devido ao tempo decorrido, não seria possível excluir essa hipótese.
Já Carlos Lacerda, que faleceu em decorrência de uma infecção cardíaca, também teria sido vítima de envenenamento, segundo suspeitas não comprovadas.
O que reforça tais conjecturas é o contexto político da época. Regimes ditatoriais da América do Sul — entre eles os do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile — mantinham, nos anos 1970, uma cooperação entre seus serviços de inteligência para monitorar, sequestrar e eliminar adversários políticos em operações secretas. Essa aliança ficou conhecida como Operação Condor, e o Brasil teve papel relevante em sua execução.
Dentro desse cenário, a sequência das mortes de JK, Jango e Lacerda segue alimentando, até os dias atuais, especulações sobre suas verdadeiras causas. As versões oficiais nunca conseguiram dissipar completamente as sombras que cercam o desaparecimento desses três líderes históricos — unidos, em vida, pelo ideal de devolver ao país a democracia.
Mais do que um enigma histórico, essas mortes simbolizam o preço pago por quem ousou sonhar com um Brasil livre. Enquanto não houver transparência plena sobre o passado, a história continuará a ecoar a pergunta incômoda: coincidência ou conspiração?
Rui Leitão

