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O PERIGO DA “BUKELIZAÇÃO” DO BRASIL

A extrema direita brasileira parece ter encontrado um novo ídolo: Nayib Bukele, presidente de El Salvador. Desde que assumiu o poder, o país centro-americano vive sob um regime de exceção permanente, iniciado em março de 2022. Sob o pretexto de combater o crime organizado, o governo salvadorenho suspendeu garantias constitucionais fundamentais, como a liberdade individual, o sigilo das comunicações e o devido processo legal. As consequências foram imediatas: prisões em massa, muitas sem mandado judicial, transformaram El Salvador em uma imensa prisão a céu aberto. Estima-se que 2% da população esteja encarcerada — a maior taxa de encarceramento per capita do mundo.

Esse “modelo de segurança” tem inspirado parte da direita radical brasileira, que o enxerga como solução mágica para a violência urbana. Após uma megaoperação policial nas comunidades da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro, políticos de extrema direita voltaram a exaltar Bukele como exemplo de “liderança firme”. Entre os mais entusiasmados está o deputado Eduardo Bolsonaro, que, dos Estados Unidos, publicou em suas redes sociais: “Seria ótimo ver Trump mandando os piores criminosos do Brasil para cumprir pena na prisão do cara mais linha-dura do momento, Bukele.” O parlamentar já visitou duas vezes o CECOT — Centro de Confinamento do Terrorismo, conhecido por suas condições desumanas — demonstrando abertamente sua admiração pelo governante salvadorenho. Não foi o único. O governador de Minas Gerais e o secretário de Segurança Pública de São Paulo também estiveram no país, com o mesmo intuito: “conhecer o método Bukele”. Em audiência pública sobre a PEC da Segurança, o deputado Nikolas Ferreira foi ainda mais explícito ao afirmar: “Precisamos bukelizar o Brasil.”

O apelo desse discurso é compreensível: a segurança pública é, de fato, uma das principais preocupações da população brasileira. Contudo, a retórica autoritária converte esse legítimo anseio em instrumento de manipulação política. Ao invés de investir em tecnologia, treinamento, aumento de efetivo policial nas regiões mais carentes, modernização do Código Penal e combate à corrupção dentro das instituições, certos líderes preferem vender à sociedade o espetáculo da repressão. É a política do medo, que transforma violência em palanque e autoritarismo em marketing eleitoral. A lógica da “bukelização” coloca a ordem acima da liberdade, a força acima da justiça. É o caminho que leva à erosão dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito.

Por trás do discurso moralista e punitivista, esconde-se um projeto de poder que naturaliza a violência e legitima a desigualdade. Enquanto isso, os plutocratas — os mesmos que se beneficiam de privilégios e impunidade — seguem intocados, protegendo-se mutuamente e ignorando o princípio básico da democracia: a lei deve valer igualmente para todos.

O desafio da segurança pública no Brasil é real, mas a solução não está em importar modelos de exceção. A democracia não é obstáculo ao combate ao crime; é, ao contrário, a única garantia de que esse combate não se transforme em instrumento de opressão. Trocar a liberdade pela promessa de segurança total é um pacto perigoso. O verdadeiro progresso não se faz com prisões superlotadas, mas com justiça social, instituições fortes e políticas públicas inteligentes. A “bukelização” do Brasil pode até soar tentadora aos ouvidos do desespero, mas seria o primeiro passo rumo à criminalização da própria democracia.

Rui Leitão

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