Observatório Paraibano Antirracista é lançado em sessão na Câmara de Vereadores de JP
Sessão reuniu representantes de movimentos sociais, negros e antirracistas da Paraíba, além de entidades como Ministério Público e Ordem dos Advogados do Brasil
Com o objetivo de monitorar a sociedade civil, fazendo denúncias e processando as demandas apresentadas foi lançado, durante sessão especial na Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP), o Observatório Paraibano Antirracista (OPA), na manhã desta sexta-feira (12). A sessão foi proposta pelo vereador Marcos Henriques (PT) e reuniu representantes de movimentos sociais, Negros e Antirracistas da Paraíba, além de entidades como Ministério Público e Ordem dos Advogados.
“A população negra, maior parte do povo brasileiro, sofre com ataques racistas velados naturalizados, muitas vezes explícitos, e esse racismo que contaminou e se entranhou nas vísceras do estado ao ponto de se transformar em institucional precisa ser combatido e denunciado. Desmistificar o conto do fim da escravidão é um dos objetivos do movimento para afirmar que a população negra é detentora de direitos historicamente negados”, declarou Marcos Henriques, salientando a necessidade de uma pauta propositiva de mudança e de combate ao preconceito.Em seguida, a assistente social Aline Martinelli, integrante do Observatório lançado durante a sessão, ressaltou a importância de repensar e ressignificar a data, destacando que a conquista é deles. Zumbi dos Palmares e Dandara foram alguns nomes citados por ela como agentes incansáveis na construção de um mundo diferente. “Nossa luta não começou ontem e nem começa hoje. Conscientes dos velhos problemas, apresentamos novas repostas”, comentou.
Lançando o Observatório Paraibano Antirracismo (OPA), que fará o monitoramento das relações raciais de discriminação e direitos no Estado, Stive Biko, coordenador do OPA, informou: “O Brasil é o segundo maior ‘país negro’ do mundo. É um país que, hoje, apesar de todas as tentativas de extermínio, é composto por 57% de pessoas negras, pessoas que estão aqui desde que os colonizadores invadiram o Brasil. Em 1612, já existiam engenhos na região da Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Rio Grande do Norte”. “A lei Áurea colocou milhares de seres humanos nas ruas, sem terras e sem nenhum projeto de inclusão social. O segundo maior país negro do mundo. O mundo inteiro percebe que no Brasil tem alguma coisa que está fora de ordem. O Observatório quer colocar essa situação na forma de projeto de indenização”, argumentou.
A secretária de Combate ao Racismo do PT, Socorro Pimentel, comentou sobre a criação do Observatório: “Desconstruir o 13 de maio é desconstruir uma história. É um momento marcante e histórico. Satisfação de ser uma preta neste momento”.
A Mãe Lúcia fez uma prece ao senhor Obatalá e agradeceu pela laicidade da sessão. “Nós somos agredidas todos os dias. Dentro de nosso recinto religioso, dentro da minha casa, chegam na nossa porta e jogam pedras. Nossa religião não é de convencimento, no entanto, na nossa casa vem pessoas de todas as religiões, as recebemos com todo amor e carinho, sobretudo respeito à fé do outro. Nós do candomblé, de fato, respeitamos a laicidade”, declarou a mãe de santo que também discorreu sobre a abolição da escravatura ter sido um acordo político, deixando o povo preto sem apoio, estrutura e longe dos grandes centros.
“Temos tentado, nos últimos dois anos, ter uma conversa fraterna para construir um posicionamento de valorização da questão do negro e da negra”, afirmou o diretor executivo da Fundação Cultural de João Pessoa, Marcus Alves. Ele comentou também que foi processado criminalmente por uma pessoa branca por ter criado um edital de inclusão social pelas artes de valorização dos artistas pretos e pretas, que foi o Prêmio João Balula. “Vejam a tragédia: fui obrigado a ir a uma delegacia prestar esclarecimentos porque estava fazendo uma política de valorização de artistas negros”, explicou.
O diretor executivo informou que o processo foi arquivado. “Fica a lição. Que país a gente está vivendo? Que democracia é essa que a gente está construindo? É para assustar, para desistir de fazer inclusão? Não vou desistir”, enfatizou. Marcus Alves chamou atenção ainda para o prazo da elaboração do plano de utilização dos recursos da Lei Paulo Gustavo. “Vamos para as comunidades, por meio da parceria com a Central Única de Favelas, conversar com artistas pretos e pretas para que cada vez mais esses artistas tenham acesso aos recursos”, afirmou.
Defensora dos direitos humanos, a professora Renálide Carvalho, do Instituto Federal do Piauí (IFPI CASRN), falou: “Acredito que é um momento importante para pensar que o combate ao racismo deve ser refletido todos os dias, porque não caiu dos céus, não veio das mãos da Princesa Isabel, foi com luta popular. Ainda nos falta educação, saúde de qualidade, acesso à cultura. A gente precisa enfrentar o racismo no dia a dia, porque é inadmissível que esse povo continue a sofrer maus-tratos, linchamentos públicos e tanta segregação. É preciso fazer essa luta com o povo negro, ouvindo o povo negro”.
Para o Coordenador Geral Centro de Referência João Balula, Nivaldo Pires, a ideia de fortalecimento do povo negro não passa só pela questão de ocupar espaços, é preciso instituições fortes voltadas à igualdade racial.
“Nós brancos temos uma dívida histórica. Para conseguir pagar não basta não sermos racistas, temos que ser antirracistas”, afirmou Verônica Oliveira, conselheira tutelar. Hermana Oliveira destacou que “a luta antifascista é um comprometimento ético com todos os brasileiros”. E Robson Jampa enfatizou que “o racismo estrutural está enraizado em todos os âmbitos da sociedade e temos que lutar contra ele todos os dias”, declarou.
A Coordenadora do Projeto de Extensão Antirracista da UFPB, Lourdes Teixeira enfatizou que a luta é de todos os dias. “Nossos passos vêm de longe. Só estamos aqui hoje porque muitos já passaram”, afirmou, saudando ainda a criação do OPA. “Que ele tenha vida longa. Que as instituições possam ser parceiras desse instrumento e que a sociedade possa chegar de fato e de direito nesse espaço que estamos construindo”, declarou.
Luzenira Linhares, secretária geral da Central Única dos Trabalhadores na Paraíba (CUT-PB), afirmou ser um privilégio para a Central transitar em diversos espaços, podendo ouvir as demandas da população, e salientou: “A história, que é incompleta, não diz como os escravos foram sequestrados de seus países. São sequelas que não acabam nunca, de ser arrancado de um avião para ser revistado e ainda ouvir que deve apenas ignorar. É preciso ser antirracista, mas tem que ser de brancos, pretos, de todo mundo, para a gente se fortalecer e saber que vamos estar juntos nessa luta de reconstruir o que foi destruído”.
Como ouvidor da Comissão de Combate ao Racismo e Discriminação Racial da OAB-PB, Everton Diogo destacou que nunca houve protagonismo negro: “Nosso povo ficou enxotado em periferias, morros e sem políticas”. Referindo-se também à OAB, ele afirmou que estão juntos nessa luta.
Também representando a sociedade civil, Jarbas Gomes expôs: “Eu tenho certeza que quando você vai a um estabelecimento da classe média, quem está lá é uma mulher preta. Quem está na construção civil é um preto. Só sabe a dor da luta quem tem esta cor. A escravidão não acabou. As pessoas que estão nas ruas são as negras. Se estamos aqui nesta manhã não é em busca de reconhecimento, mas para ocupar nosso lugar de voz, que nos foi tirado. É necessário abrir nossa voz e mostrar para a sociedade que o poder está dentro das periferias e de cada homem e mulher negro dessa sociedade”.
Os representantes da sociedade civil Vandinho e Alisson se disseram felizes com a discussão. Vandinho pontuou: “Estamos hoje começando a exigir o nosso espaço. Essa luta inicia dentro da casa de todos nós”. Alisson ressaltou que se sentiu acolhido pelas pessoas presentes na sessão, mas que entende que o espaço físico ainda os oprime com microagressões. Para ele, o Observatório é uma conquista.
Já o artista plástico Elioenai Gomes pontuou que só quem vive a invisibilidade sabe a dor que ela causa. Ele acredita que é preciso guiar as crianças, que são o futuro: “Sabemos também como é importante a inclusão. Vamos cuidar do nosso povo preto, a começar pelas nossas crianças”.
Leonardo Silva, integrante da Marcha da Negritude Unificada da Paraíba, relatou: “Eu sou o primeiro da minha casa que chega a uma Universidade Federal, também sou o primeiro a chegar no terceiro curso superior e sou o primeiro que falou no meu curso de Educação Física sobre a questão racial para atletas. Quantos de nós aqui somos os primeiros a enfrentar o sistema, a vencer barreiras impostas mesmo antes de nascermos? É isso que desconstruir o 13 de maio representa. Deixo aqui o desafio para as instituições que é cumprir o que o estado moderno diz que tem que cumprir, que é diminuir desigualdades e fazer com que se realizem como pessoa”, acrescentou.
A representante da Associação Paraibana dos Portadores de Anemias Hereditárias (ASPPAH), Nicemare Dornelles ressaltou que a dor das pessoas que têm anemias hereditárias é invisibilizada pelo sistema de saúde. “ A nossa dor é sempre deixada de lado ou levada ao nível de que é a pessoa que tem dependência de analgésicos. Espero que ninguém aqui chegue perto de sentir a dor de um paciente de doença falciforme. A Asppah há muitos anos luta para acabar com essa invisibilidade e trazer respeito, olhar e atenção para esses pacientes e familiares”, destacou.
O ex-deputado Sargento Dênis faz parte do grupo Antirracista e Antifascista da Polícia e é presidente da Associação dos Praças da Polícia e Bombeiros Militares. Emocionado, ele se desculpou em nome da categoria. “Quando a gente assiste a essas cenas de policiais maltratando nosso povo, dói muito mais em mim. Estou vendo a ignorância de um negro destruindo outro negro, a mando muitas vezes de um político branco, que não quer nem saber das questões sociais”, afirmou, desculpando-se pela polícia ainda não conseguir ser uma instituição cidadã, honesta e justa.
Encaminhamentos
O vereador Marcos Henriques destacou como encaminhamentos: retomar a discussão de lei de cotas no serviço público do Município; promover, junto com a Funjope, um workshop sobre o acesso aos recursos da Lei Paulo Gustavo; cobrar a reestruturação da Coordenação da Igualdade Racial, transformá-la em secretaria; reunir-se com o secretário de saúde para discutir ações para portadores de anemias hereditárias junto com Asppah; desenvolver ações para proteger direito ao culto e manifestações religiosas de matriz afro; articulação com os aplicativos de transporte junto com o OPA para combater o racismo religioso; cobrar da secretaria de educação a aplicação da Lei 10.739 no Município. “Foi muito produtivo o debate. Que o observatório venha para mapear e apresentar diagnóstico contra o racismo, a opressão e pela igualdade”, concluiu o parlamentar.
Secom CMJP